domingo, 4 de setembro de 2011

Serão Literário com Abdulai Sila e Zetho Cunha Gonçalves

Na terça-feira, 9 de agosto de 2011, aconteceu o primeiro Serão Literário do semestre, quarto do ano, com dois dos mais destacados autores africanos de língua portuguesa: Abdulai Sila e Zetho Cunha Gonçalves.
Feitas as apresentações, o primeiro a tomar a palavra foi o escritor guineense Abdulai Sila, autor de A útima tragédia, romance lançado entre nós pela Pallas Editora, do Rio de Janeiro, em 2006. Falou muito brevemente sobre sua obra e sobre seu contato com o educador brasileiro Paulo Freire, que, depois da independência da Guiné-Bissau do domínio português, coordenou as “brigadas de alfabetização” das quais participou, tendo sido esse o seu primeiro emprego.
De fala muito mansa e de pouco volume, o escritor mostra extrema humildade, atribuindo tudo o que criou em seu país como obra coletiva. Sobre o nome da editora da qual é co-fundador, a Ku Si Mon,  que em criolo significa “por suas próprias mãos”, esclareceu que ele é formado pelas primeira sílabas dos nomes de cada um dos sócios-fundadores: Fafali (KU)duwa, Abdulai (SI)la e Teresa (MON)tenegro.
Em resposta à pergunta sobre o que significa escrever e editar livros num país com taxa tão alta de analfabetismo, Sila respondeu com uma bela lição de vida, que tento reproduzir de oitiva: “Meu pai me ensinou muita coisa, mas essa foi a maior lição: há duas coisas principais na vida de um homem: o que se deve fazer e o que se gosta de fazer. Confundimos, muitas vezes, as duas coisas e acabamos por nos tornar, ou autônomos, quando optamos apenas pela obrigação, deixando de lado o espiritual, ou nos concentramos apenas naquilo que gostamos de fazer, o que também acaba trazendo problemas. É preciso haver um equilíbrio entre o ‘gostar de fazer’ e o ‘ter que fazer’. Eu me julgo uma pessoa de sorte, por ter podido juntar as duas coisas.”
Em seguida, para proceder à leitura de uma passagem do romance acima citado, foi chamada ao palco a atriz araraquarense Maria Alice.
Sila comentou sobre o incêndio que houve na Ku Si Mon e comprometeu boa parte das edições de seus primeiros livros, que acabaram sendo reeditados mais tarde: Eterna Paixão (1994), A última tragédia (1995) e Mistida (1997). Eram tempos de lutas internas. Depois da independência, os políticos, representantes de várias tribos e facções do país, se perderam em lutas de poder, que incluía, lamentavelmente, a repressão e a censura aos bens culturais, além de não permitir a necessária alfabetização da população guineense. Aos olhos de muitos, seus três romances se constituem numa trilogia sobre a história do país.
Falando sobre a guerra da independência, ele nos falou da sensação vivida pelo povo guineense: um misto de pequenez, no sentido político, e grandeza, no sentido do ímpeto para lutar pelo país.
De sua fala e das respostas às perguntas do mediador, fica a forte impressão de alguém que tem sua vida e sua literatura voltadas muito visceralmente para a construção de uma identidade para seu país e sua gente.
                A palavra foi passada, então, ao poeta angolano Zetho Cunha Gonçalves. Autor sobretudo de poemas, ele veio lançar, no Brasil, duas obras destinadas ao público infanto-juvenil: “Brincando, brincando, não tem macaco troglodita” e “Caçada real”, ambas pela Matrix Editora. Elas vêm se juntar a um lançamento anterior, também voltado para o mesmo público: “Debaixo do arco-íris não passa ninguém”.
Muito mais à vontade com a plateia, Zetho falou sobre as obras em lançamento, situando a primeira como reescritura de histórias populares de Angola, sendo que “Caçada real” tem como matriz a conhecida fábula “O leão e o jumento”. Como sinal de respeito pelo leitor, ele fala da necessidade da inclusão de um glossário de termos dialetais, como tem feito.  Como exemplo, mencionou “Mulemba” que é o nome de uma árvore sagrada de Angola, aquela que toda família tem plantada no quintal da casa, e em torno da qual os mais novos se reúnem ao redor dos avós para ouvir estórias.
Seguiu-se então a leitura de alguns versos de “Brincando, brincando, não Tem Macaco Troglodita”, na verdade um longo poema cheio de fantasias e associações inusitadas. Sob sua indicação, alguns poemas foram impressos e distribuídos entre os presentes, tendo ele optado por ler procedido à leitura de outros tantos.
Ainda com relação à poesia, Zetho também é da opinião de que poemas não se explicam, menos ainda pelo próprio autor. Quanto a sua poesia, que tem muito do popular, diz que procura manter aquilo que é próprio de sua tradição: a oralidade, a musicalidade. Logo, não se trata apenas da versão escrita da tradição oral, mas de uma apropriação da tradição oral para a feitura de novos textos poéticos.
Terminada a sua fala, o microfone foi franqueado à platéia.

Abdulai, diz-se que a literatura tem função estética, não educativa. Você acredita nisso?
A estética é fundamental. Tudo em nossa vida é repetido. Nós estamos aprendendo sempre. O contexto social é pouco favorável para a leitura, pois ela é um exercício que contempla a troca de ideias. É uma função, expõe a ideia a outro. Há uma vontade presente de moldar as coisas, de criar consensos na sociedade: o bom e o mal, o justo e o não justo. Numa história, há sempre uma lição: o mal é punido; o bem, reconhecido. Lemos um livro porque achamos beleza nele. Ainda estamos em busca de nossa identidade e é a literatura que nos une.

Zetho, como é que você se relaciona com sua poesia? Você escreve para um público específico?
Não. O autor não escolhe o público, nem o público o escolhe, e sim o texto que constrói o autor, pois o leitor é um escritor “à sombra da página”. [No caso, o autor aproveita para criticar a falta de circulação de livros em português entre os países falantes dessa língua e o recente acordo ortográfico.
Em suas falas finais, Abdulai agradeceu, expressando um desejo de uma relação mais ampla entre os países falantes do português, enquanto o extrovertido Zetho se mostrou grato pelo “tempo que não passamos namorando para vir ao Serão ouvi-los contar histórias”.
Gratos ficamos nós, um público que já se fez cativo do Serão Literário, pelo excelente bate-papo com os autores convidados.
Fiquem atentos às informações e venham participar do próximo encontro. Até lá.


Veja aqui as fotos.



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